Patricia Magno, Defensora Pública do RJ que gravou um vídeo falando sobre o assunto, comenta sobre a instituição e o dia a dia de quem promove a justiça
Patricia Magno, Defensora Público do RJ e Doutora em Direitos Humanos, publicou em seu Instagram um vídeo que gerou bastante discussão, onde ela dizia que a Defensoria Pública estava sofrendo ataques para ser enfraquecida.
Conversamos com ela, para saber mais sobre o assunto, já que a Defensoria Pública é a instituição que faz a ponte entre os direitos dos cidadãos e a justiça. Então, como fica essa situação? Por quê?
Confira!
Em seu vídeo, você levanta questões sobre a Defensoria Pública (instituição) e faz algumas queixas. Teria como esclarecer um pouco mais e contextualizar o ocorrido?
Patricia Magno – A Defensoria Pública é a instituição prevista na Constituição Federal (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm) para cumprir a missão de promover o acesso à justiça tridimensionalmente, isto é:
1) acesso aos tribunais (assistência judiciária);
2) acesso aos meios alternativos de solução de interesses (mediação, conciliação, entre outros);
3) acesso ao exercício efetivo de direitos (promoção de direitos humanos).
Para desempenhar a tarefa de assistência jurídica integral e gratuita, em todos os graus e todas as instâncias, interna e internacionalmente, e patrocinar da melhor forma possível a defesa dos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade, a Lei Complementar nº 80/1994 cercou o defensor público com algumas prerrogativas, como, por exemplo, o poder de requisição.
Poder de requisição significa a possibilidade de o defensor enviar um ofício para autoridades públicas e para entidades privadas, solicitando esclarecimentos, explicações, 2ª via de documentos etc.
Ele é muito importante para reunir elementos necessários à prova de direitos ou à instrução de ações judiciais. É – ainda – imprescindível para EVITAR ações judiciais, porque viabiliza a realização de acordos extrajudiciais e se mostra como uma alternativa ao já saturado poder judiciário.
Retirar essa possibilidade dos defensores públicos significa prejudicar as pessoas em situação de vulnerabilidade que clamam por justiça.
No seu caso, além de Defensora Pública do RJ, você também luta por diversas causas humanas, entre elas a inclusão social, o racismo estrutural e a luta antimanicomial. Como é esse trabalho?
PM – Sou defensora pública há 20 anos. E a Defensoria foi minha escola da vida como ela é. Comecei como estagiária, em meados de 1997. Ao longo do tempo, foi ficando nítido que o direito não é um fim em si mesmo. Ele é processo de lutas por dignidade. É apenas instrumento de amplificação das vozes das pessoas que defendemos. Nesse sentido é que para defender direitos se faz imprescindível ouvir as pessoas que são seus titulares, e os movimentos sociais nos ensinam muito a trabalhar essa “escutatória”.
Vivemos em uma sociedade desigual, marcada pelo racismo e pelo patriarcalismo estruturais, de modo que para promover a igualdade se faz necessário mais que desigualar os desiguais na medida em que se diferenciam.
É necessário promover a inclusão social, mediante medidas afirmativas.
Assim como o racismo não é só um “problema dos negros”, mas principalmente da branquitude que se beneficia simbólica e materialmente dos privilégios de ser branca/o em uma sociedade racializada, o patriarcalismo também não é só um “problema das mulheres”, mas, principalmente dos homens, que precisam discutir a masculinidade tóxica e perceber que fazem parte do problema para serem parte da solução.
Nesse sentido, todas as pessoas humanas devem ser convocadas para a construção desse novo pacto civilizatório que promova a inclusão de ‘todes’, todas e todos. E, também nesse viés, é que a defesa de direitos deve estar em sintonia com os anseios das pessoas que defendemos por intermédio da Defensoria Pública.
Como Defensora, você acredita que muitos outros profissionais estejam em Defensorias Públicas de todo o País para lutarem por causas humanas e também passem pela mesma situação que você? Por quê?
PM – Com certeza. Embora essa certeza não desconsidere as diferenças regionais do Brasil, País muito diverso, a formação política e social brasileira, desde a periferia do capitalismo, tem se baseado no racismo estrutural e no patriarcalismo.
Desse modo, as desigualdades socioeconômicas atravessam corpos e subjetividades em todos os cantos de nosso País. E é a Defensoria Pública a instituição que tem a missão de promover o acesso à justiça às pessoas em situação de vulnerabilidade.
Pessoas em situação de vulnerabilidade são aquelas que tem especiais dificuldade de exercer com plenitude seus direitos perante o ordenamento jurídico. Há diversos fatores que vulnerabilizam, tais como: pertencimento étnico-racial, idade, gênero, privação de liberdade, deficiência, pobreza, dentre outros.
Você acha que uma pessoa com um posicionamento como o seu, que luta pelas demais (e, que na teoria, também deveria parte do papel da Defensoria Pública) acaba gerando conflitos dentro da própria Defensoria Pública?
PM – O direito é instrumento do poder, da ordem. Pessoas com posicionamento crítico, que buscam manejar o direito emancipatoriamente, utilizam um instrumento do poder para contestar esse poder.
E, inevitavelmente, apontam questões que são naturalizadas e invisibilizadas, fazendo-as emergir. Sim, é comum que isso produza e provoque situações conflituosas ou conflitivas.
Mas, por outro lado, sem o conflito, como produzir uma nova síntese, mais inclusiva? É da ordem da dialética, do materialismo.
Gosto da explicação de Chantal Mouffe sobre a democracia agonística. Democracia não é a ausência de conflituosidade, é a existência da diversidade. Não é antagonismo, mas agonismo.
Por fim, o que você acha necessário para que essa situação seja apaziguada?
PM- Mais estratégias democráticas e agonísticas, que nos convide a olhar para as ausências da instituição e a redirecione tanto no sentido de uma disputa interna por mais democratização nas atividades meio, assim como no sentido de rearranjos interinstitucionais para promoção da defesa de direitos do modo mais comprometido possível.