A Lei Maria da Penha e o preconceito gerado nas situações de estupro
No dia 7 de agosto, a Lei nº 11.340, popularmente conhecida como Maria da Penha, completou 16 anos. Ela traz mecanismos para coibir e prevenir a violência no ambiente doméstico e familiar e estabelece medidas de assistência e proteção para vítimas que relatam a violência diariamente sofrida.
Um exemplo ocorreu em junho de 2022, quando uma decisão judicial negou o direito ao aborto previsto por lei a uma menina de 11 anos, que havia sido estuprada. O caso acabou por mobilizar a sociedade e a mídia. O assunto se desdobrou de tal modo, evidenciando que mesmo os direitos garantidos pela legislação brasileira podem ser alvo de disputas ideológicas dentro do sistema judiciário. Infelizmente, este é somente um exemplo, entre tantos outros de violência contra a mulher, que fere direitos constituídos.
A sócia da Bosquê Advogados, Melissa Fabosi, esclarece que o aborto é a interrupção da vida intrauterina, com a destruição do produto da concepção, o que no Brasil configura crime tipificado nos arts. 124, 125 e 126 do Código Penal. Porém, esse mesmo Código, em seu artigo 128, traz duas hipóteses em que o aborto é permitido: se não há outro meio de salvar a vida da gestante (chamado aborto “necessário” ou “terapêutico”) e no caso de gravidez resultante de estupro (aborto “humanitário”, “sentimental”, “ético” ou “piedoso”). “O médico que pratica o aborto nessa circunstância não será punido e somente ele poderá cessar a gravidez, pois é o único profissional habilitado”, explica a especialista.
Em defesa da dignidade da pessoa humana, no caso da mulher violentada, o direito permite sacrificar a vida do embrião. Ou seja, para facilitar as coisas para a mulher, não é necessária autorização judicial, basta o registro de um boletim de ocorrência pela vítima e sua apresentação ao médico, sendo imprescindível o consentimento da gestante.
De acordo com a sócia da Bosquê Advogados, existem outros motivos que estendem a permissão do aborto. “Além do texto das únicas hipóteses expressas do Código Penal, tem a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e no primeiro trimestre da gestação. As interpretações jurisprudenciais exigem o cumprimento de requisitos para que tais condutas sejam compatíveis com a Constituição Federal. Como, neste caso, se tratava de uma criança, entrou em questão o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, em que o aborto é excepcionalmente permitido, podendo se enquadrar nas situações permitidas em caso de gravidez decorrente de estupro e para garantia de sua própria vida. Além disso, o estupro contra menor é considerado crime hediondo, ou seja, é punido com mais rigor pela legislação brasileira”, esclarece.
Melissa argumenta também que a Lei Maria da Penha enumera diversas formas de violência. “Temos a física, quando qualquer conduta ofende a integridade ou à saúde corporal da mulher. Tem a psicológica, em que qualquer conduta pode causar dano emocional, diminuição da autoestima da vítima ou prejudicar e perturbar seu desenvolvimento, além das violências sexuais, patrimonial e moral”, enumera a advogada.
Outro caso de estupro que aconteceu na mesma época foi o da atriz Klara Castanho, que engravidou e optou por não abortar, mas entregar a criança para adoção após o nascimento, o que não é crime, sendo garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento. Porém esse sigilo foi quebrado por jornalistas que revelaram sua situação fazendo, com que ela ficasse exposta para todos.
Esses são alguns exemplos dos inúmeros casos de violência sofrida diariamente pelas mulheres, mesmo quando elas têm a legislação a seu favor. Não são raros os casos em que a vítima de violência doméstica e familiar, ao denunciar, precisa lidar com preconceitos e discriminações, não conseguindo evitar perguntas e suposições sobre fatos que tragam constrangimento.
Para a sócia da Bosquê advocacia, muitas vezes, pior do que a violência sofrida é a violência que a mulher recebe do sistema de justiça, que deveria proteger e amparar a vítima. “Hoje contamos com uma rede de atendimento de proteção composta por autoridades/profissionais responsáveis em garantir a proteção da mulher que, em alguns casos, se deixam levar por preconceitos ou ideologias que vão de encontro aos direitos e prerrogativas arduamente conquistadas pelas mulheres”, pondera Melissa.
A advogada destaca ainda que a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar é composta de medidas integradas de proteção decorrentes de política pública. A vítima deve se encaminhar a delegacias especializadas, para que seja adequadamente atendida e tomadas as devidas providências. Nos locais em que não houver delegacia especializada, deve ser encaminhada à comum.
Sobre a Bosquê Advocacia
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